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domingo, 11 de outubro de 2009

Lembranças de morrer~

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro
- Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como o desterro de minh'alma errante,
Onde o fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade
- é desses tempos

Que amorosa ilusão embelecia.
Só levo uma saudade - é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas ...
De ti, ó minha mãe! pobre coitada

Que por minha tristeza te definhas!
De meu pai... de meus únicos amigos,
Poucos - bem poucos - e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoudecido,

Minhas pálidas crenças duvidavam.
Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei... que nunca

Aos lábios me encostou a face linda!
Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta destes flores...
Se viveu, foi por ti! e de esperança

De na vida gozar dos teus amores.
Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo ...
Ó minha virgem dos errantes sonhos ,

Filha do céu, eu vou amar contigo!
Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:

Foi poeta - sonhou - e amou na vida.
Sombras do vale, noites da montanha
Que minha alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,

E no silêncio derramai-lhe canto!
Mas quando preludia ave d'aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos.
Deixai a lua pratear-me a lousa!
Álvares de Azevedo

2 comentários:

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